fotografia de Elizandro Souza
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fotografia de Rafael Fernandes
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Confesso em primeiro lugar que não me reconheço nem nas fotos – vide acima – nem com a imagem em movimento, muito menos nas palavras que recebi, nas reações que decifrei nos rostos que se aproximaram de mim. Ao mesmo tempo que sei que falam de mim, parece não ser de mim que estão falando... é estranho... porque se sonha em ter reconhecimento e quando ele vem é tão surreal, tão intimidador e tão intrigante.... parece uma teia que te envolve e quer te sufocar – seja no bom ou no mau sentido....
Sei que mereço, tenho meu merecimento: fui além de mim, das
minhas forças – literalmente , tanto que retornei ao treino físico por conta de
um dos ensaios – fui além do que achava que era capaz de fazer – cantar é o exemplo, fiz, mas não acredito
que... se me perguntarem, respondo que interpretei as canções, não vão me escutar
dizer eu cantei, por não me considero cantando – incluindo, inclusive, além dos
meus limites físicos, os emocionais, toda uma preparação que tive que ter, uma
estrutura – técnica – que precisei adquirir em tempo recorde, consegui chegar
no que estava lá na cabeça do gênio-criador-excêntrico-louco-maravilhoso que eu
chamo de meu diretor – o recém imortalizado Carlos Marroco – e eis aí a missão mais impossível de todas que cumpri e custo a acreditar que – mesmo com o próprio me
informando do feito – consegui dosar o tanto de instinto e o tanto de técnica, mesmo me sentindo como me senti na penumbra, no escuro até o breu total...
fotografia de Manuella Pelegrinello
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Desse breu todo ao breu do teatro, das pessoas entrando, do
calor do foco, das luzes pra marcar, de toda a batalha pra fazer do meu cabelo
mais uma obra à parte, do meu rosto uma máscara, do meu corpo um instrumento
tocado por fora: por espasmos, por falta de movimento, de som, o desespero, a
agonia de tudo... do tempo que parecia ter parado nas minhas mãos e como
administrar na base do soluço, tapas e socos, do mais puro improviso.... assim
tudo começou....
Daí pro novo breu, me erguer de sobressalto pra me revelar
no mais completo caos, alimentado por tudo aquilo que acabei de dizer,
combustível que pude abastecer no tempos dos 3 sinais – aqueles mesmos famosos
e tão ansiados 3 sinais que anunciam a entrada do público e a contagem regressiva
para o início de fato de um espetáculo – e dessa explosão toda eis eu a ruir de
novo, antes é claro, trombando em algum coleguinha de elenco e me arrastando
literalmente para chegar no foco – pra quê mesmo fiquei contando os passos?
fotografia de Manuella Pelegrinello
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fotografia de Manuella Pelegrinello
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Passada essa louca transição entre parar, conter, crescer,
explodir e ruir pra depois explodir.... e ter que ouvir e sentir tudo que
falavam ao meu respeito em cena e só poder reagir respirando até enfim a deixa
pra poder crescer, explodir e ruir.... depois conter pra explodir e tentar não
me perder no timbre da voz – até agora espero ter sido no mínimo coerente – do início
ao fim, construir uma unidade, alguém mesmo e não várias em um...
fotografia de Manuella Pelegrinello
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fotografia de Manuella Pelegrinello
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fotografia de Manuella Pelegrinello
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A única dó que tive foi de sair de cena – eu não queria sair
mais – em contrapartida, se não houvesse saído, não existiria minha cena favorita onde o ego e
o alter ego – Joana e Medéia ou Medéia e Joana – se encontravam e juntos se
fortaleciam para atacar o inimigo e havia ali uma enlevação da “minha”
pessoa e o conjunto todo da obra que por isso ficou prima – eleito o clímax da noite!
fotografia de Manuella Pelegrinello
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fotografia de Manuella Pelegrinello
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Foi complexo, tudo tão complexo, tão intenso, que desconfio
que nem esteja conseguindo me expressar direito nem me fazendo entender, muito
disso é culpa também de como me senti, como tudo está se processando em mim AINDA, se passou tão rápido.... – tirando
o início de tudo que me veio de presente e que pareceu durar uma eternidade – numa agilidade, na velocidade da luz e eu fui no limite do meu fôlego, senti as pernas
tremerem, os pensamentos se esvaírem, sumirem no ar, vivi literalmente aqueles
momentos, e só tinha cabeça funcionando pra saber quando devia falar e tudo
saía da minha boca como se nem tivesse que pensar nem respirar, mas respirava e
tinha os pés bem fincados no chão.
Olhando de longe, não reconheci nem humanidade ali, é como
se fosse uma criatura, algo perdido de algum documentário, do tempo, que saiu das
cavernas, era uma força da natureza, um grito, um desespero... Joana foi meu
inferno, meu céu.... paraíso desejado e calculado, purgatório de todos os pecados... foi tudo, foi nada... combustível, me fez eu me sentir
viva, sobreviver... meu maior desejo de todos!
Foi “alguém” e alguém por quem fui longe, por quem
arrisquei, passando inclusive da linha da racionalidade, tomada de uma paixão minha pela personagem e por uma boa dose de coragem não propriamente minha, enfim, resolvi bancar a cega e passional.
Eu sei que arrisquei muito, corri o risco de encerrar a
carreira tentando começar, porque com “Gota” não existiria um meio termo: ou
era sucesso ou fracasso. Não digo isso pelo volume e a densidade do texto que
me era familiar e queira ou não eu tinha fresco na minha memória, mas era pela
densidade orgânica de dramaticidade – tentando traduzir o que seria o método
próprio do Marroco – que me foi exigida, da linha de concepção da direção e por conta dela como tive que me preparar,
fora as músicas que de início me amedrontaram, mas que aos poucos senti e
percebi que não seriam minhas nem cantadas por mim, muito menos cantadas, elas
foram dramatizadas, interpretadas, talvez por isso tenha conseguido dar conta –
aparentemente – do recado, sem passar vergonha – esse era o meu grande
objetivo... – não envergonhar ninguém, muito menos à mim diante de mim e da
minha exigência fora dos padrões, encontrar a minha linha, a minha
expressividade sem ser caricata nem esbarrar em toda teoria que investi em aprender pra TV,
enfim, me descobrir como uma atriz, como uma profissional de fato...
Se sou, não realizei – mesmo sendo – mas sei que estou muito
perto disso – de sentir e realizar –, pelo menos o maior desafio de todos eu venci – ele e todos os
outros que me foram feitos em forma de proposta de cena, em poucos termos:
imobilidade, queda, altura, intensidade, força, fraqueza, sedução... – que era ousar passear na montanha-russa de Chico Buarque e Carlos Marroco....
Por pouco – medo – não deixo em exibição as imagens e que elas falassem por mil palavras nas linhas e entrelinhas.... mas ao mesmo tempo, precisava vir aqui, precisava me abrir pra filosofar à minha maneira, mesmo que confusa, abstrata e até poética, porque é desse turbilhão de emoções e intenções que sou feita e é desse mesmo turbilhão de intensidades que foi feita a MINHA Joana.....
fotografia de Manuella Pelegrinello
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1 comentários:
Quando uma atriz, um ator, um artista plástico, um escritor não se reconhece no seu próprio trabalho é a comprovação de que É realmente um artista intenso. Quando você elimina o o próprio ego no palco e assume ou incorpora toda a essência da personagem, você faz arte. Esse "fazer arte" é um dom da vida e um compromisso que se transforma em destino. Conhecer profundamente as técnicas é apenas aprender todas as possibilidades que elas proporcionam para o voo, mas voar só depende de talento e uma fé absoluta (digam o que disserem) na sua própria capacidade de realizar seus próprios voos. Assim, menina... o horizonte está logo adiante: Voa!
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